sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Filme “O Mestre” investiga de forma cínica culto religioso


O Mestre, título do novo trabalho do cineasta norte-americano Paul Thomas Anderson
Mestre, título do novo trabalho do cineasta norte-americano Paul Thomas Anderson

O Mestre, título do novo trabalho do cineasta norte-americano Paul Thomas Anderson, é interpretado com som e fúria por Philip Seymour Hoffman. Parte guru religioso, parte homem de negócios, ele é a mente brilhante por trás de uma seita transcendental que, por meio de hipnose, incentiva seus seguidores a reencontrar traumas e fatos do passado (desta e de outras vidas).
Ele se chama Lancaster Dodd e, logo no começo do filme, encontra em Freddie Quell (Joaquin Phoenix) o seguidor perfeito, disposto não apenas a aceitar suas ideias, como colocá-las em prática e também ser uma espécie de leão de chácara. Veterano da Segunda Guerra Mundial, o rapaz é a mente perturbada que vem em direção ao mestre em busca de alívio. Mas este jamais pode se concretizar para ele.
Escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, um dos poucos cineastas em seu país que realmente merece o status de autor, O Mestre é um filme que gera, antes de mais nada, ansiedade: seria o diretor capaz de se superar depois do magnífico Sangue Negro (2007)?
Com este novo trabalho, que estreou no Festival de Veneza 2012, de onde saiu com prêmio de direção e ator, para Seymour Hoffman e Phoenix, não resta dúvida (se é que ainda restava) da capacidade do cineasta. Aqui, trata-se de uma história inspirada em L. Ron Hubbard, criador da Cientologia (uma espécie de culto que atrai famosos de Hollywood, entre eles Tom Cruise e John Travolta).
Mas este é apenas o ponto de partida para uma narrativa que, na forma, pode parecer um melodrama dos anos de 1950 (época em que, aliás, o filme se passa), como os de Max Ophuls e Douglas Sirk, para na trama mergulhar num tom bem mais sombrio do que uma conturbada história de amor mal resolvida: a essência humana.
Depois de voltar para casa, Freddie fica perdido na vida. As primeiras cenas dão conta de sua incapacidade de se readaptar, ter um emprego ou criar vínculos. Seu consolo é a bebida alcoólica, nem que seja uma beberagem que ele mesmo produz, e que, por acaso, o leva a se apegar ao Mestre e sua esposa, Peggy (Amy Adams). A partir de então, mergulha numa espiral sem volta, numa viagem que tem como guia Dodd, que lhe diz: “Você será meu protegido, minha cobaia”.
A relação transita entre um arquétipo de pai e filho, mas também há uma competição entre os personagens, que pode refletir-se em algo semelhante entre os dois atores, na disputa por se tornar centro das cenas, tamanha a voltagem das interpretações.
Dodd, sua seita e seus métodos tornam-se o alívio que Freddie procura para seu inferno pessoal. Mas não há qualquer tipo de salvação quando a alma já está consumida. O terceiro vértice de um triângulo não amoroso é a mulher de Dodd, Peggy, que como tantas outras esposas da filmografia de Anderson é a mulher forte por trás de um grande homem.
A seu modo, ela lembra a personagem de Julianne Moore em Boogie Nights, estrela dos filmes pornográficos de seu marido. Aqui, a personagem de Amy Adams, quando não está grávida, segura um bebê no colo. Tal qual Lady Macbeth, é doce e gentil ao mesmo tempo que é capaz de destruir vidas e incitar o marido a fazer maldades, sem que ela suje suas mãos.
São raros os filmes contemporâneos capazes de olhar a sociedade norte-americana com tanta lucidez. Os dois últimos filmes de Anderson são de época. Sangue Negro se passa na virada do século XIX para o 20, mas mostram os Estados Unidos do presente.
Naquela obra, a ascensão econômica era a causa do declínio moral e ético. Aqui, vem abaixo o mito da reinvenção da identidade, do recomeço. A terra das oportunidades e da fartura se abre apenas àqueles dispostos a se encaixar nas regras do seu jogo. É, mais uma vez, o sonho americano destroçado. Nem a religião consegue reverter o quadro. Pode fazê-lo por algum tempo, mas, ninguém se engane, nada é eterno.
A trama passa por Nova York, Filadélfia e Inglaterra, mas nunca abandona a sua alma: o mar do Pacífico onde encontramos Freddie pela primeira vez. As primeiras imagens do filme já mostram um mar em movimento, devorador, desafiador, capaz de engolir sem piedade quem dele se aproximar. Dodd é diferente, mas sua gentileza é apenas um disfarce para cumprir com seus objetivos, para conquistar mais seguidores.
O cinismo típico dos filmes de Anderson vem a calhar aqui. Há um humor negro, uma atmosfera de estranhamento ampliada pela trilha sonora excepcional de Jonny Greenwood (do Radiohead), que também assinou a música de Sangue Negro.
Poucos filmes norte-americanos recentes são tão poderosos como O Mestre, o que torna difícil aceitar que ele esteja fora da competição ao Oscar nas categorias principais (como melhor filme, diretor, roteiro e trilha); concorrendo apenas nas de ator (Phoenix) e coadjuvantes (Seymour Hoffman e Amy Adams).

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