domingo, 14 de novembro de 2010

Ascensão de nacionalismos na Europa mostra limites de suas instituições

José Saramago chamou a UE de Grande Iugoslávia, o velho comunista sabia das coisas.
Apoiadores do partido húngaro de extrema-direita Jobbik (Movimento para uma Hungria Melhor) participam de comício em Budapeste.


IZB             

 Para onde está indo a Europa? De leste a oeste, se expressam os independentismos culturais, históricos e políticos. Em maio, as eleições legislativas holandesas fizeram do Partido da Liberdade, populista, a terceira maior força política do país. Em junho, o partido nacionalista húngaro, o Jobbik, fez uma entrada impressionante no Parlamento com 16% dos votos, dobrando seu desempenho nas europeias de junho de 2009. Na Escandinávia, a Suécia seguiu a Dinamarca com a entrada de um deputado de extrema-direita no Parlamento. Quanto à Bélgica, ela mergulhou em uma crise sem precedentes desde a vitória dos separatistas flamengos nas legislativas de junho. Histórias diferentes, é claro. Mas as questões e as reações de recuos identitários nacionais, regionais, linguísticos, aquém e além das fronteiras territoriais, são similares.

Na Europa Central, os nacionalismos ofensivos ou defensivos são a causa das tensões entre Estados vizinhos. O desejo de volta ao “hungarismo”, ao restabelecimento do elo entre povo, território e nação que havia sido rompido pelo Tratado de Trianon em 1920, levou o Partido Conservador – em competição com o Partido Nacionalista – a implantar leis sobre a dupla nacionalidade atribuída às minorias húngaras fora das fronteiras. Com medo de que a minoria em questão (cerca de 10% de sua população) reivindique sua autonomia, o vizinho eslovaco não tardou em se defender, mobilizando o velho medo do “grande húngaro”.
Os romenos em busca da Grande Romênia, a Bulgária na luta contra as minorias turcas muçulmanas e os ciganos encontram todos a salvação no discurso nacionalista e na progressão dos partidos populistas. À definição e redefinição do Outro – ciganos, húngaros, turcos… que alimentam explicitamente os discursos nacionalistas – se junta a impotência das políticas econômicas para consolidar os sentimentos de pertencimento a nações que se veem como exclusivas. Quanto à União Europeia, que levou os países do Leste da soberania reencontrada para a soberania compartilhada, ela é fonte de ambiguidade e de paradoxo tanto no Leste quanto no Oeste.
Os nacionalismos constituem a organização de base na Europa do século 19, mas não da construção da Europa unida, muito pelo contrário. Claro, a assinatura do Tratado de Maastricht havia provocado inúmeros debates a respeito das implicações de um novo espaço político sobre as identidades nacionais, regionais, linguísticas, religiosas, e certamente sobre a identidade europeia que englobaria o conjunto e a cidadania que lhe seria associada.
A questão era tripla: como combinar a ideologia universalista dos Estados-nações e o particularismo cultural e histórico que caracteriza cada uma das nações; como escolher entre os interesses econômicos e uma vontade política comum, e a soberania dos Estados; e como articular os pertencimentos plurais e complexos dos indivíduos, dos grupos, das nações para conseguir construir uma identidade europeia, ou melhor, suscitar sua identificação com uma Europa unida.
Enquanto o projeto europeu tinha como principal objetivo superar o “modelo nacionalista”, a Europa unida mobilizou sobretudo partidos populistas e provocou seu sucesso em várias partes. Na verdade, o populismo encontrou sua base em uma Europa sem fronteiras internas. Mas esse espaço de livre circulação também é um espaço transnacional de solidariedade, um espaço de mobilização e de reivindicação dos interesses e das identidades.
As resistências trataram em primeiro plano das questões de identidade nacional e de soberania, exprimidas pela proteção das fronteiras territoriais de um lado, pela presença dos imigrantes, e especialmente do islamismo dentro do espaço público, de outro. Isso vem acompanhado de uma lembrança “automática” dos princípios de cidadania e da competência dos Estados em matéria de imigração, transformada agora em questão de segurança. Tudo se traduz por um populismo que luta por uma representação das identidades nacionais, linguísticas e territoriais. O nacionalismo constitui um grande desafio para a União Europeia. Ao levantar a questão das minorias, da identidade e da alteridade, ele questiona a capacidade da Europa unida de conduzir os Estados para além de seus particularismos, de levar a partilhar um futuro comum respeitando as nações e os cidadãos, e de formar uma identidade europeia.
É hora de ver surgir na Europa uma nova forma de organização política que reuniria toda a diversidade cultural e nacional que ela encarna e que faria do respeito a essa diversidade sua norma incontornável.
Embora a nação, essa construção histórica, se apoie sobre o mito de um passado comum, a identidade nacional é dinâmica. Ela se define e se redefine em relação às outras nações para delimitar suas fronteiras territoriais e identitárias. Mas ela se redefine também em relação às expectativas dos grupos sociais que a compõem. Os separatistas flamengos se afirmam na Bélgica colocando a questão linguística e territorial no centro dos projetos de reforma do Estado federal. O pedido de proteção e de reconhecimento da língua flamenga desde o século 19 se traduz hoje por uma vitória eleitoral, expressão de uma frustração frente à Bélgica francófona.
Mas de maneira mais geral, longe de definir as fronteiras territoriais dos Estados, o nacionalismo tal como ele se exprime hoje nos diferentes países-membros da União escolheu como alvo a imigração, o islamismo, o multiculturalismo e o fantasma do comunitarismo que está associado a ele, para consolidar as fronteiras de identidades que se definem como nacionais.
Aceito como princípio ou rejeitado, mas entretanto aplicado nas democracias ocidentais, o multiculturalismo está hoje no centro das controvérsias como causa e efeito da rejeição do Outro. Na Holanda, Geert Wilders construiu sua campanha em torno da rejeição ao islamismo para reivindicar a volta dos valores holandeses. Os assassinatos de Pim Fortuyn e de Theo van Gogh já haviam gerado uma mudança radical nas políticas e na opinião pública sobre as minorias. Agora, a questão do multiculturalismo está ligada às políticas de imigração por causa de uma opinião sensível à integração dos recém-chegados, especialmente aqueles vindos dos países muçulmanos.
A Holanda havia optado por políticas de imigração restritivas, que dão o tom às políticas de integração antes da chegada dos candidatos à emigração, exigindo, por exemplo, o conhecimento prévio da língua do país; o que vem a ser em uma assimilação fora das fronteiras. Essa política que consiste em reafirmar uma identidade nacional fora dos territórios do Estado está se expandindo para outros países na Europa, e serve para reforçar uma ideia de soberania e de representação da identidade nacional.
No Reino Unido, o primeiro quadro sombrio do multiculturalismo se instalou após os atentados de 2001; quadro que se tornou ainda mais sombrio com os ataques de Londres em julho de 2005. O Reino Unido está hoje longe da visão de Bhikhu Parekh, professor de política na Universidade de Hull, que pede por um país que seja ao mesmo tempo “uma comunidade de cidadãos e uma comunidade de comunidades”, para a partir de agora levantar a questão da integração em termos de segurança nacional.
Já a França nunca iniciou uma política multiculturalista. A retórica republicana sempre rejeitou a ideia de política diferencial. Mas a prática colocou em evidência um multiculturalismo aplicado no domínio da moradia e da escolaridade. O triunfo do republicanismo universalista, fiel à filosofia do Iluminismo, chegou a ser criticado com frequência pelos liberais. Hoje é o desrespeito a esse princípio que é criticado.
Outras categorizações, outras condenações vieram em socorro dos efeitos perversos do multiculturalismo. O islamismo e a imigração, focalizados em torno da burca em espaços públicos, foram colocados no centro do debate sobre a identidade nacional iniciada no outono de 2009 pelo ministério da Imigração e da Identidade Nacional. Não se trata mais de uma questão de integração, nem de princípios, mas de fronteiras identitárias vistas como insuperáveis sobre um mesmo território nacional, em contradição com a retórica republicana e com o discurso fundamentado sobre o nacionalismo cívico.
A ascensão dos nacionalismos na Europa atesta limites da normatividade das instituições europeias e convida a buscar outras vias de influências recíprocas entre Estados, comunidades e supranacionalidade para além dos discursos normativos. Torna-se urgente ajudar as sociedades nacionais a superar essas tensões. E igualmente urgente é sensibilizar a opinião pública sobre os perigos do populismo que a Europa do século 20 já conheceu. Enfim, responsabilizar o cidadão frente ao avanço da Europa, deixando as identidades se sobreporem sem erguer barreiras entre elas e sem definir inimigos comuns.
Fonte: Le Monde Diplomatique – http://diplomatique.uol.com.br/


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