segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vende-se um escândalo

Esse produto já está em falta no mercado


AYRTON CENTENO
    É a pechincha do ano. Está à venda um excelente escândalo. Em ótimo estado de conservação, quase sem uso. Ótima procedência, garantia de fábrica com reconhecida reputação na produção de escândalos de diversas modalidades, com direito a holofotes e alarme, porque escândalo sem visibilidade e alvoroço não tem graça. Acompanha um reboque porque quem compra o escândalo leva mais dois, três ou quantos quiser. Desempenho assegurado em qualquer plataforma: rádio, jornal, TV. Penalizado com a mídia, que anda matando cachorro a grito, pegando qualquer coisa para mimetizar em escândalo, proponho esta oportunidade imperdível.
    O escândalo fica um pouco fora de mão, no Rio Grande do Sul, mas vale a viagem. E o Brasil inteiro vai ficar de boca aberta para exclamar:
    “Isto sim é que escândalo!”
    Quem garante sua autenticidade é o Ministério Público Estadual. Não cavalga, portanto, palavra de ex-presidiário, estelionatário e receptador, um tipo de escândalo que anda por aí, convenhamos, de muito pouca classe. Já o escândalo gaúcho dispensa talento de ficcionista para ficar colando declarações aqui com fragmentos dali para tentar oferecer intelegibilidade às conspirações do aquário.
    Além do mais, é um escândalo flex. Opera por todos os lados: Executivo, Legislativo, Judiciário. Acha pouco? Então adicione a Polícia, o Ministério Público e a Imprensa. E até a Aeronáutica! Escândalo multiuso, com tração 4×4, trafega em qualquer terreno. Transita tanto pelas bordas do submundo do achaque e da proteção à contravenção quanto pelos salões palacianos onde o objetivo é violar sigilo e xeretar adversários políticos para garimpar, quem sabe, informações de alta octanagem eleitoral.
    Neste escândalo, turbinado tanto pela propina quanto pela arapongagem, o Executivo desempenha o papel de algoz e todos os demais são, quase sempre, as vítimas. O vilão pode estar na periferia de Porto Alegre extorquindo donos de bingo ou no centro do poder estadual espionando as vidas de políticos, procuradores federais, promotores de justiça, delegados de polícia, militares, jornalistas, advogados e empresários.
    Quem espiona é a Casa Militar. É um desvirtuamento torpe de um aparato, o Sistema de Consultas Integradas, direcionado para vasculhar segredos de opositores. E, em vários casos, até de suas famílias. O que inclui crianças… 
    É uma crise que bate à porta da governadora Yeda Crusius – a primeira e cataclísmica experiência de gestão tucana no Rio Grande do Sul. Em questão de duas semanas rolaram três cabeças coroadas do seu governo – o chefe da Casa Militar, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional e, por último, o chefe do Gabinete da própria governadora. Mas o escândalo continua caminhando na sua direção. 
    “Polícia política” e “central de espionagem” são termos que o ex-ouvidor da Segurança Pública usa para definir as operações flagradas no coração do governo gaúcho. Aliás, ele classifica singelamente a governadora como “a mandante”. Existe algo mais apetitoso para uma mídia que gastou os últimos oito anos se esfalfando atrás de grampos sem áudio, fichas falsas e de um “Estado policial”? Além de um ex-ministro de Lula, de um senador da república e de cinco deputados, a espionagem alvejou muito mais gente. Nem o empresário Jayme Sirotsky escapou. 
    Presidente emérito do grupo RBS, Sirotsky é um dos notáveis da Sociedade Interamericana de Imprensa. Sabe-se lá o que representa quebrar o sigilo de um dos próceres da SIP, congregação de diuturna militância contra as ameaças, reais ou imaginárias, à liberdade de expressão? É ou não um escândalo supimpa?
    Porém, apesar de escândalo tão bem recomendado e apresentável está difícil negociá-lo. Será que silêncio tão embaraçoso – inclusive da honorável SIP, que costuma expelir moções de repúdio ao ouvir qualquer espirro de Chávez, aquele demônio – tem algo a ver com o fato da devassa ilegal de dezenas de vidas ilustres ser obra do PSDB? Estaria este pormenor na raiz das dificuldades no mercado da escandalização? Afinal de contas, é uma pauta preciosa. E preço não seria problema. Custaria apenas algum jornalismo.


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